Transformação Digital, Complexidade, Pessoas e Futuro
Falar de transformação digital é falar de gente, nunca de tecnologias, é falar sobre como as tecnologias exponenciais combinadas entre si podem mudar a feição da própria sociedade e sobre os benefícios que elas trazem às pessoas.
Tecnologias nunca foram uma finalidade em si, elas se esgotam, são meios pelos quais buscamos a melhoria da qualidade da vida humana, porém ao longo do tempo, o ser humano, pós 2ª. revolução industrial foi se transformando em máquinas insanas de alta produção, de roteirizações infindáveis, submetidos a processos monolíticos, cheios de hierarquias e de conhecimento fragmentado devido à presença de especialidades.
Na batida do capitalismo cruel, de se tirar tudo em curtíssimo espaço de tempo e suas exigências do curto prazo, pessoas foram sendo dizimadas pela pressão extrema que foi transformando pessoas em máquinas, que sistematicamente foram matando a criança interior em prol de jornadas incessantes de grande poder de produção, de pressões, muitas vezes agressões e muita exigência, mas não na Inteligência.
A felicidade, segundo o filósofo chinês Lao Tsé, poderia ser atingida tendo como modelo a natureza, do equilíbrio, da diversidade, da adversidade, da riqueza. Já Confúcio acreditava na felicidade devido à harmonia entre as pessoas.
Gradualmente no processo de transformação de pessoas em máquinas, a felicidade, um conceito tão necessário, mas tão intangível e tão buscado passou a ser algo difuso, num ambiente da felicidade idealizada que injustamente condenou os humanos à cederem aos encantos do TER em detrimento do SER.
Este processo transformou humanos em seres apáticos, tristes, sem vida, ansiosos, narcisistas, individualistas, para se dizer o mínimo. Os condenou a uma vida competitiva sem trégua, em um ambiente corrosivo, individualista, de sucessos repetidos obrigatórios e de remuneração pela competição. Algo completamente desprovido de sentido.
Muitas pessoas foram treinadas em suas educações de base a “serem alguém na vida”, conceito complicado quando se deve perguntar, afinal, o que é ser alguém na vida a não ser o fato de se ser somente e tão somente o que se é, de forma pura e inexorável. Utopia talvez, para muitos.
Amarras deveriam ser rompidas para que um respiro de sobrevivência pudesse aparecer. Não é tarefa fácil e invariavelmente, quando a crise bate à porta, aquele filme “B” passa na cabeça de muitos. O filme “B” sempre foi o plano “A” mesmo assim, pessoas não ouvem o chamado para a aventura, única propriedade dos heróis de fato, que colocam suas vidas acima de si próprios.
Pior. Muita gente ainda acredita que ser feliz é poder pagar boletos, em vida dedicada ao acumular bens, de ter mais que todos os outros, de construir raízes do ter, de impérios do acúmulo, gerado pelas pragas da vida moderna, como o capitalismo do excesso, da estetização do mundo, da sociedade individualista, da nova era dos extremos, de grande decepção, do efêmero, do cansaço e do burnout, da depressão.
As pessoas até podem ter muito, a crítica não está nisto em si, mas há uma fragilidade enorme na configuração do ser, porque o indivíduo hipermoderno é prudente, afetivo e relacional.
Ao mesmo tempo que tem impactos da profunda fragilização das personalidades, com pensamentos e esquemas sociais destrutivos que os levam ao declínio de forças interiores, ainda são submetidos ao abandono do coletivo, sendo rejeitado em muitos sistemas sociais, o que faz aparecer os sintomas psicossomáticos, distúrbios, depressão, vulnerabilidades e pânico.
Segundo o filósofo Gilles Lipovetsky, a hipermodernidade é resultante das incertezas e dos receios de uma sociedade angustiada com a liberdade de escolha proporcionada pela pós-modernidade e impactada violentamente pela aceleração mercantil, consumista, capitalista gerada pelos avanços tecnológicos e dos meios de comunicação de massa.
Obviamente os laços sociais verticais se perderam completamente dando lugar aos laços horizontais, levando pessoas inexoravelmente ao individualismo extremo, em processos altamente tecnológicos, altamente velozes, desregulamentado, narcisista gerando um ambiente, excessivo e hiperconsumista, gerado pela economia da atenção que gerou o capitalismo de excesso, do capitalismo de vigilância e do consumo pelo consumo.
Talvez os humanos tenham chegado no limite máximo da distensão do que é possível uma vez que não estão vendo muito sentido no que fazem, do que vivem ou do que deixam de viver e talvez também a ideia do Gilles Lipovestsky não tenha sido muito bem decupada, que é o vetor de que o luxo do futuro será o luxo do amor irrestrito pelas coisas que escolhemos fazer. Isto traz uma visão forte de centralidade no ser humano.
A tecnologia melhora substancialmente a vida. Em tempos de promessas da chegada da inteligência artificial sobre nossos sistemas há uma promessa de que grande parte do que os humanos faziam e dos roteiros que ele ainda executa, estava sob judice, justamente porque seres humanos tem uma adaptação biológica extremamente lenta.
Por outro lado, as perguntas se voltam para o fato de que humanos adoraram se parecer com máquinas obsoletas, máquinas ruins. Ora, as plataformas de simulação hoje podem chegar a 200 petaflops, são exatos 200 quatrilhões de cálculos por segundo! Com a evolução das plataformas pré-quânticas isto poderá chegar a 600 petaflop, serão então 600 quatrilhões de cálculos por segundo e como o universo não é estático, a aplicação do germaneno, material novo, mono atômico, da família do grafeno, que é 10 vezes mais rápido que o silício levará isto a uma plataforma de 6 mil petaflop, 6 mil quatrilhões de cálculos por segundo.
Onde estão as pessoas? Em jornadas insanas de dias e dias inteiros com a cara enterrada naquelas planilhas de excel que não fazem mais o menor sentido. Pior, quando chegam a alguma conclusão, levam tudo do excel para o powerpoint, as pragas do mundo corporativo moderno, e quando mostram os trabalhos para seus superiores, o máximo que tem é uma interjeição – “Muito bom, parabéns” acompanhado sempre de um pedido – o gráfico está ótimo mas você pode mudar a cor da bolinha?
Ora, pergunta-se como os humanos podem gostar disso, como eles se renderam a isto assim tão passivamente, como eles puderam concordar com isto, eles estão fazendo papel de um sensor que não custa mais que um real!
Usar humanos para produzir dados é um descalabro, algo totalmente inadequado para o mundo caótico que exige gestão de conhecimento rizomático, de grande profundidade e acurácia, inclusive do pensamento de que para vencer nestas eras de hipermudanças, é imperativo se aprender urgentemente uma nova competência, como antecipar o futuro com precisão, como diz exaustivamente o autor David Burrus.
Não só, há urgências em muitas outras áreas do pensamento, como o exercício do mindset digital, onde se observa que a linha do desenvolvimento das tecnologias já ultrapassou e muito os níveis de adaptabilidade humana e também que se vive em tempos de alta exponencialidade e obviamente tempos de enormes incertezas e grandes instabilidades, onde não se pode mais observar fatos novos sob a ótica de causa e efeito.
Com isto, com a possibilidade real de que plataformas tecnológicas poderão produzir poder de simulação que ultrapassa o poder de pensamento de todos os humanos juntos no planeta, sendo inclusive, demandado dispositivos para aumentar o poder de pensamento dos humanos.
Parece uma exorbitância? O Neuralink já está oferecido no mercado, um dispositivo intra-craniano, uma interface cérebro–computador implantável, um fitbit no crânio com pequenos fios, que poderá ter aplicação médica, facilitando o tratamento de doenças como depressão, perda de memória, convulsões, entre outras. Não obstante, sabe-se que há já uma enorme variedade de dispositivos implantáveis e vestíveis conectados à internet com diversas e variadas contribuições à vida humana.
Do ponto de vista da tecnologia chega a ser empolgante, mas ainda suas aplicações podem ser muito contestadas, há problemas éticos insolúveis nas fronteiras entre a tecnologia e a medicina, claro grande celeiro das questões éticas para com a sociedade.
Além de todos estes ângulos, ainda há dois ambientes a serem desenvolvidos, o mindset da disrupção uma vez que tudo que já se vivia na era pré-pandemia já se expressava de uma maneira diferente, em cenários de permanente ruptura e também o mindset do paradoxo, o cérebro humano não está treinado para ver a grande ambiguidade que estes ambientes promovem.
Não se pode competir com o enorme poder de cálculo que as soluções representam, então acidamente falando, a alta tecnologia joga o ser humano para o lugar que ele nunca deveria ter saído que é de sua condição estritamente humana.
Humanos e máquinas tem lugares diferentes neste jogo, cada um pode e deve contribuir com capacidades próprias, então na comparação simples, há somente duas coisas que humanos podem contribuir em um mundo cada vez mais caótico e anárquico, que é a ambiguidade e o pensamento crítico, nada mais.
Competir no futuro será um exercício bastante próprio de ser engajado e inspirado por pessoas, com contribuidores extremamentes proativos e adaptativos, voltados a moldar experiências emocionais totais e com grande significância.
Isto vai requer muito estudo no campo do design justamente por conta das questões dos mapas de significados entre as coisas. Profissionais do futuro são profissionais que olham o radar do futuro para que se possa contribuir com a modificação dos mapas de crenças da sociedade.
Profissionais do futuro tem capacidades diferentes, eles têm um conjunto de habilidades comprováveis como a alta influência, a alta autoridade sobre o que falam e fazem, enorme maturidade, são independentes, membros da nova GIG Economy, a sociedade dos profissionais independentes que querem trabalhar muito, mas que não querem empregos nunca mais.
Não obstante, sabem exatamente o que não querem, são independentes, extremamente apaixonados pelo que fazem, são ambidestros, conseguem aprender sozinhos e são os representantes do grande poder de aprender à frente por toda uma vida.
Esta categoria de profissionais, se é que se pode chamar assim, são aqueles que tiveram a lucidez de reunificar suas vidas. O viver, o trabalhar e o aprender são uma instância única. Ao longo do tempo pessoas criaram avatares delas mesmas, criando inclusive códigos de vestimenta, três personalidades apartadas que não fazem o menor sentido.
Uma visão indivisível da vida que proporciona o poder de se exercitar o propósito, que mora em um lugar muito profundo, porque é na raiz da própria existência onde mora o ethos, o ethos significa o modo de ser, o caráter de uma pessoa.
O radar do futuro aponta sobre o retorno das potencialidades humanas, como criatividade, paixão, pensamento antecipatório de mudanças, propósito muito claro, curiosidade, imaginação e o foco irrestrito no design centrado no ser humano.
Como posto pelo Keindanren, a Federação Japonesa de Negócios, no futuro, será requisitado aos humanos, imaginação para mudar o mundo e criatividade para materializar suas ideias.
A Sociedade 5.0 será a Sociedade da Imaginação e se tudo parecer um filme de ficção, então façamos ficção, o mundo precisará dela para colocar o planeta e as pessoas em primeiro lugar, conforme a recomendação urgente do Fórum Econômico Mundial.
Além de tudo o autor Gerd Leonhard lembra a todos que a pandemia representa um novo ciclo de renascimento, um novo giro, uma nova visão de colocar em exercício aquela palavra alemã que denota o espírito do tempo que é o Zeitgeist do nosso tempo, a reconstituição do habitat.
As batalhas da 5ª. revolução industrial, que representa a convergência homem/máquina, aponta para a luta pela igualdade, pela eliminação da desigualdade e da iniquidade, da ética, que já é considerada carbonizante e causticante devido ao ambiente panóptico extremamente ativo sobre a sociedade, transparência e responsabilidade social.
Não deveria parecer muito, uma vez que a visão é a de que a tecnologia promove abundância de absolutamente tudo. Com isto, é a hora do ser humano reestudar sua trajetória, tendo a coragem de atravessar o primeiro limiar e se compor dentro dos limites da diversidade e da nova inteligência compartilhada.
É tempo de alto protagonismo e de coragem, justamente como coloca o Josef Campbell, que o tesouro que se busca está sempre na caverna que você tem medo de entrar. Temos medo? Claro, esse medo não é paralisante, ele é mobilizador, portanto sejamos todos estoicos.
Se todos os grandes desafios de agora são desconhecidos, é porque vem do futuro, o passado não nos traz nenhum tipo de conforto, então, olhar para a frente, antecipar mudanças, nos traz a necessidade premente de pegar nossas vidas nas mãos e a ela dar um novo significado.
A única obrigação, de verdade para os humanos é ser tão simplesmente felizes. Nada mais além disto.
Carlos Piazza – Darwinista Digital e Futurista Certificado
Artigo publicado na Revista Coaching Brasil – Edição #92 – Complexidade – Janeiro 2021
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